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sábado

DEUS E OS ÍDOLOS

Texto de Ricardo Gondim.

Lamento que o fundamentalismo evangélico se confunda com ortodoxia.

O fermento dos fariseus se camufla de piedade e zelo pela "verdade” para se parecer com fé. O fundamentalismo se investe da responsabilidade de defender a Deus de possíveis diminuições de sua majestade; de preservar a Bíblia dos ataques de hereges; e, como guardião do templo, de garantir a perpetuidade da igreja.

Mas todo esse zelo se monta nos pressupostos da filosofia grega, principalmente quando raciocina sobre Deus; quando repete, por exemplo, o conceito aristotélico de que a divindade é um “motor imóvel”. Deus é percebido pelo fundamentalismo como tão absolutamente perfeito, que jamais experimenta qualquer mudança e pode ser engessado pelos dogmas. No outro lado da mesma moeda cometem-se equivocos iguais ao do messianismo judaico.

Por que Jesus Cristo foi escândalo e loucura tanto para gregos como para judeus?

Os gregos procuravam explicar Deus a partir de absolutos metafísicos e os judeus aguardavam um messias poderoso.

O judaismo criou, por séculos, a expectativa ufanista de que o Ungido de Deus se manifestaria como um grande conquistador. Para os setores mais politizados de Israel, ele viria como o libertador final – uma encarnação melhorada e glorificada de Moisés. Para os segmentos mais ortodoxos, fariseus e levitas, o Cristo re-avivaria a obediência da Lei; com um profetismo mais exuberante do que o de Elias.

Nessas duas cosmovisões, Jesus de Nazaré mostrou-se um retumbante fracasso; ele não deixava colar em si ou no Pai que Deus fosse o emissário de um supermessias ou o "movedor imóvel" de Aristóteles.

Jesus horrorizava porque, se o Deus dos fariseus zelava pela lei, ele dizia que os mandamentos podem ser flexibilizados pela misericórdia. A mulher apanhada no próprio ato do adultério experimentou a força de um amor capaz de vergar a rigidez da lei: “Onde estão os teus acusadores?. Eu não te condeno, vá em paz e não peques mais”.

A mulher siro-fenícia, o centurião romano, a senhora “impura” que sofria de uma menstruação crônica, o endemoninhado que vivia em sepulcros, o cego da calçada, todos provaram que qualquer um pode aproximar-se de Deus sem a intermediação sacerdotal – o Nazareno acolheu os “não-eleitos”.

Jesus não amedrontava com um Deus que persegue os rebeldes feito um bedel cósmico; pelo contrário, ele é um Pai ferido que espera pelo filho no alpendre da casa; mais ainda, ele “corre ao encontro” do filho arrependido; e mesmo quando o filho cheira como um porco, Deus o cobre de beijos.

Ricardo Peter intuiu corretamente o porquê do ódio dos fariseus contra Jesus:
"Os fariseus começaram a perceber que Jesus estava mudando radicalmente a maneira de entender quem é Deus. Este Deus teria podido provocar confusão e dispersão entre as pessoas religiosas. O comportamento do Deus anunciado por Jesus, do Deus que demonstra um amor incondicionado pelos pecadores, começava a colocar o Deus dos fariseus na sombra. Tinha início uma luta de ‘Deus contra Deus".

Os religiosos contemporâneos de Jesus queriam que Deus excedesse o poder de Baal, mas Jesus se mostrava fraco, despido de arrogância. Eles desejavam um líder que reunisse milícias mais arrasadoras do que as legiões romanas, mas Jesus pegava crianças no colo e dizia: “O Reino pertence a elas”. Eles ambicionavam guindar Israel como líder do mundo para vingar os vários séculos de opressão, mas Jesus abria o rolo da lei e repetia as palavras do profeta: “O Espírito do Senhor está sobre mim e ele me ungiu para pregar boas notícias aos pobres”. Assim, tomados de indignação, os religiosos conspiraram para matá-lo - se Jesus era a expressa imagem de Deus, precisava ser eliminado; um Deus fraco não serve aos interesses da religião – qualquer uma.

Deus não só eclipsava os pressupostos dos fariseus, como destruía com os de Aristóteles. Jesus não se parecia em nada com a idéia que Deus era “ato puro” ou “motor imóvel”. Em Cristo, a Divindade não é apática. O Emanuel, o Deus conosco, se move de “viscerais afetos” pela viúva que enterra o filho; chora diante da sepultura do amigo. A dor humana dói em Deus – (‘Em toda a angústia deles, foi ele angustiado’ – Isaías 63.9).

Ricardo Peter, com sua intuição sobre a revelação de Deus que Jesus brindou o mundo afirmou:
O Deus de Jesus assume o humano a tal ponto que liberta o homem da exigência de ser como Deus. Deus contém em si, agora o máximo de humanidade. Deus encontra-se imerso no humano. O ‘Reino’ de Jesus não requer seres excepcionais, melhores que o ‘resto dos homens’, que se preocupam em ser por eles contaminados.

Jesus incomoda sobremaneira os religiosos porque mostra que Deus é amor e este amor relativiza qualquer dogmatismo. As exigências e os ritos perdem sua força; os conceitos milenares de um Deus inabalável e severo têm que ser jogados fora.

Os que não distinguem entre o Deus dos gregos e dos fariseus e o Deus de Jesus, têm razão em decretar a sua morte. A expressão ‘Deus está morto’ não passa do grito ressentido de quem se defrontou com a noção errada de Deus. Aquele Deus que lhes foi anunciado como um déspota obcecado pelo poder, realmente, precisa ser sepultado.

O Reino que Jesus de Nazaré revelou não tem paralelo com os reinos humanos; continua despercebido dos poderosos, pois submerge no pequenino, no desprezível – grãos de mostarda, ovelhas indefesas, pessoas ineficientes, servos inúteis, pecadores indignos, prostitutas, leprosos, cegos, mendigos, estrangeiros, exorcistas informais.

Deus escolheu esvaziar-se para revelar-se em seu Filho, Jesus Cristo. As outras divindades merecem ser descartadas como ídolos.

Soli Deo Gloria.

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